segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013


04.2013. CARIDADE
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará

            Realizou-se em Roma, de 17 a 19 de janeiro, a Assembleia Geral Ordinária do Pontifício Conselho "Cor Unum", com leigos e leigas, sacerdotes e bispos do mundo inteiro, convocados para refletirem sobre um tema de capital importância para a Igreja e a humanidade,  "Caridade, Antropologia cristã, Nova Evangelização e Nova Ética Global". O Conselho "Cor Unum" é um dos organismos de serviço que ajudam o Santo Padre o Papa Bento XVI a realizar sua tarefa apostólica. A este Conselho cabe a responsabilidade de estimular e coordenar a prática da caridade, valorizando as diversas entidades que se propõem a praticar a caridade, especialmente no serviço aos mais pobres e sofredores.

            A Assembleia culminou com a Santa Missa concelebrada na "Capela do Coro", da Basílica de São Pedro, com Homilia do Cardeal Roberto Sarah, presidente do Conselho Cor Unum, seguida de uma acolhedora audiência concedida pelo Papa Bento XVI, na qual cada um dos participantes foi recebido e abençoado pessoalmente por Ele. Ao aproximar-me e apresentar-me como Arcebispo de Belém, logo o Papa reconheceu tratar-se de um Arcebispo da Amazônia, fui mais uma vez surpreendido pela simpatia e profundidade de olhar que sempre edifica, no contato com o Sucessor de Pedro, sinal de unidade para toda a Igreja, portador do imenso e decisivo carisma de confirmar os irmãos (Cf. Lc 22,32). Em todos os meus encontros com o Papa, suas palavras foram breves, incisivas e carregadas de sabedoria. Uma frase é suficiente para suscitar muitas reflexões e abrir estradas.

            Desta feita, o Papa me disse que na Amazônia "precisamos muito da caridade". Passaram imediatamente pela minha mente e pelo coração todas as ações de caridade em nossa Igreja de Belém. Dei graças a Deus pelas entidades e pessoas, começando pela Cáritas Arquidiocesana de Belém, a quem cabe ser o coração do Carisma da Caridade, as Obras Sociais da Arquidiocese e tantas ações e organizações existentes. Manifesto publicamente o reconhecimento e a gratidão por todos que foram tocados pelo chamado a tornar concreto o serviço ao próximo, movidos pelo dom maior da caridade (Cf. 1 Cor 12, 31).

            De fato, "a natureza íntima da Igreja exprime-se num tríplice dever: anúncio da Palavra de Deus, celebração dos Sacramentos e serviço da caridade. São deveres que se reclamam mutuamente, não podendo um ser separado dos outros. Portanto, também o serviço da caridade é uma dimensão constitutiva da missão da Igreja e expressão irrenunciável da sua própria essência; todos os fiéis têm o direito e o dever de se empenharem pessoalmente por viver o mandamento novo que Cristo nos deixou (cf. Jo 15, 12), oferecendo às pessoas não só ajuda material, mas também refrigério e cuidado para a alma (cf. Carta enc. Deus caritas est,- 28). A Igreja é chamada à prática do serviço da caridade também a nível comunitário, desde as pequenas comunidades locais passando pelas Igrejas particulares até à Igreja universal; por isso, há necessidade também uma organização articulada também através de expressões institucionais (Cf. Encíclica Deus caritas est, 20-25; Cf. Proêmio do Motu Próprio "Intima Ecclesiae natura"). Cada instância de vida eclesial tem o dever de "organizar a caridade", segundo suas possibilidades e no âmbito de sua presença, e considero fundamental que todos os cristãos católicos tenham seu modo de viver a caridade. Não são poucas as pessoas que a praticam de modo silencioso e escondido, cujas obras são por Deus conhecidas e as acompanharão quando se apresentarem diante do Senhor. Oxalá todos nós estejamos assim preparados para o encontro com Ele.

            Mas o que distingue a caridade de tantos e beneméritos serviços filantrópicos existentes na sociedade? O Senhor Jesus contrapõe o serviço aos outros feito ser elogiado ao amor sincero, no qual a mão esquerda não sabe o que faz a direita (Cf. Mt 6,3). O Apóstolo São Paulo fala da caridade como o dom maior, que vai além do distribuir os bens aos pobres (Cf. 1 Cor 13, 1-13). Para ele, o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado (Rm  5,5). Ela nasce de Deus! Há de ser reconhecida como um dom e nós a reconhecemos, ao lado da Fé e da Esperança, como virtude cuja fonte é o próprio Deus, entregue de presente no Batismo e destinada a frutificar na vida de cada cristão. Se no Céu está sua origem, realiza-se na terra como "o mandamento novo" dado por Jesus, o amor mútuo, com o qual estamos prontos a dar a vida uns pelos outros. É a mesma torrente de amor vinda da Santíssima Trindade que se espalha sobre a terra, destinada a permear toda a vida humana, não só a assistência aos necessitados ou sua promoção a níveis correspondentes à dignidade com que foram criados por Deus ou mesmo sua libertação das amarras que oprimem grandes camadas da população.

Contemplando tal torrente, o grande São Bernardo afirmava extasiado: "Amo porque amo, amo para amar. O amor basta-se a si mesmo, em si e por sua causa encontra satisfação. É seu mérito, seu próprio prêmio. Além de si mesmo, o amor não exige motivo nem fruto. Seu fruto é o próprio ato de amar. Amo porque amo, amo para amar. Grande coisa é o amor, contanto que vá a seu princípio, volte à sua origem, mergulhe em sua fonte, sempre beba donde corre sem cessar. De todos os movimentos da alma, sentidos e afeições, o amor é o único com que pode a criatura, embora não condignamente, responder ao Criador e, por sua vez, dar-lhe outro tanto. Pois quando Deus ama não quer outra coisa senão ser amado, já que ama para ser amado; porque bem sabe que serão felizes pelo amor aqueles que o amarem" (Dos Sermões sobre o Cântico dos Cânticos, de São Bernardo, abade - Sermo 83,4-6, Opera omnia).

A prática da caridade é gratuita. Não faz o bem para qualquer tipo de compensação pessoal, mas ama para amar e porque fomos feitos para amar.   Toma sempre a iniciativa, ama a todos, sem excluir a ninguém e reconhece a presença do próprio Cristo em cada pessoa (Cf. Mt 25,34-40). Traz consigo a exigência do perdão, nada faz de inconveniente, tudo perdoa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. Ela jamais acabará! (Cf. 1 Cor 13,1-13)

Por que Belém, o Pará e toda a Amazônia precisam da caridade? Primeiro, porque todos necessitam e sem ela não podemos aproximar-nos de Deus. Mas muitos serão os motivos pelos quais a palavra do Papa Bento XVI a nosso respeito deve ser acolhida como profecia! Olhemos ao nosso redor para examinar corajosa e criativamente os desafios presentes na sociedade, identificando as situações em que se encontram as pessoas mais sofridas. E são tantas as nossas riquezas humanas e da natureza que podemos provocar-nos positivamente para partilhar mais e melhor, superando as desigualdades existentes. Como não enxergar a violência que se espalha, a quantidade de pessoas vivendo em nossas ruas, as crianças abandonadas, a terrível chaga das drogas? Sejam quais forem as muitas respostas que desejamos dar à pergunta, os homens e as mulheres de fé se deixem sensibilizar pelo amor do próprio Deus, cuja unção nos fará edificar um mundo melhor e contagiará as pessoas de boa vontade, que se descobrirão amadas por Deus. Mãos à obra!      

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