03.2013. RECEITA DE MILAGRE
Dom
Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo
Metropolitano de Belém
"Jesus manifestou a sua glória e
seus discípulos creram nele" (Jo 2,12). Foi em Caná da Galileia que o fato
ocorreu, por ocasião de uma festa de casamento, celebrada durante vários dias,
de acordo com os costumes da época. Tendo faltado o vinho, verdadeiro desastre
numa comemoração do gênero, o vexame se impunha e alguém encontra uma saída. Justamente o gênio feminino de Maria, a Mãe de
Jesus, desde então pressurosa no serviço atento a todos, sabendo quem era seu
Filho, faz a hora acontecer! Antecipa os tempos e provoca o milagre do vinho da
melhor qualidade. E todos puderam
testemunhar que o verdadeiro noivo era Jesus e as bodas eram as sonhadas
núpcias de Deus com seu povo, celebradas num alto monte, com um grande banquete
oferecido ao povo escolhido. Vinho novo e carnes gordas! A beleza plástica com
que o quarto Evangelho descreve os fatos é incrível!
Surpreende o fato de que o primeiro dos
sinais, como São João chama os milagres, tenha ocorrido numa festa de
casamento. Uma visão estreita do modo de Jesus agir teria esperado uma cura de
um enfermo ou outros prodígios que de fato o Senhor realizou. Aliás, gestos
seus foram em outra ocasião questionados por uma mentalidade tacanha que
pensava no quanto poderia render o dinheiro gasto com bons perfumes usados como gesto de delicadeza com o próprio Jesus
(cf. Jo 12,1-8). Em Caná, o milagre é o da alegria, símbolo dos tempos
messiânicos. Deus não nos quer apenas sem enfermidades ou assistidos em nossas
necessidades básicas, mas nos quer felizes daquela alegria cuja fonte só se
encontra nele. Jesus é Deus e pode tudo, mas não dispensa a participação
humana. Entram em cena a sensibilidade de Maria, os servos, o mordomo que prova
o vinho novo, o noivo elogiado e os espectadores de todos os tempos, nos quais
estamos incluídos, com nossas lutas, alegrias, angústias e esperanças. Com
elas, poderemos depois voltar às propostas de Caná.
Antes, algumas constatações. As
diversas épocas da história trouxeram impasses para as pessoas e os grupos,
muitas vezes suscitando clamor por soluções milagrosas. Também o mundo em que
vivemos cria para si mesmo encruzilhadas desafiadoras, e são complicados os
seus componentes. Brincando com coisas sérias, dá-se um realce desproporcional
aos direitos individuais, sem dúvida importantes. Todos querem apenas exigir a
sua parte no bolo dos bens, sem pensar que vai faltar para alguém. A avalanche
do consumo e o endeusamento das leis de mercado, a desenfreada busca do prazer
e daí por diante, geram um desconforto entre as várias classes sociais,
espalham a violência e criam perplexidade transformada em perguntas sobre o
futuro. De repente, o Brasil imenso, cultivando uma imagem de imunidade diante
da crise financeira internacional, começa até a desconfiar que não é suficiente,
nem mesmo o potencial energético de que se considera detentor. A festa do
consumo, a impunidade ou a farra de uma imensa balada irresponsável se revelam
frágeis. Até o justo desejo de autonomia e desenvolvimento pode ficar
comprometido. De repente, alguém percebe que o vinho acabou!
Mesmo no miúdo do dia a dia das
famílias, dá para perceber que a instabilidade das uniões e a fugacidade dos
relacionamentos têm trazido uma sensação de algo não vai bem. É quase
impossível, para quem tem um mínimo de bom senso, não ver que o futuro de
tantas crianças, cuja imagem de família está absolutamente esfacelada, será
desastroso. A falta da sadia polarização entre homem e mulher, pai e mãe, já
faz sentir seus efeitos. Aberto o leque, muitas são as situações nas quais
nossa humanidade clama por milagres! Como desatar o nó do futuro? A nós
cristãos cabe o desafio de participar de todas as lutas e buscas de saídas
honrosas, dignas dos filhos e filhas de Deus.
Com sabedoria, o Papa Bento XVI
alertava no Dia Mundial da Paz - 2013, que, "para sair da crise financeira
e econômica atual, que provoca um aumento das desigualdades, são necessárias
pessoas, grupos, instituições que promovam a vida, favorecendo a criatividade humana
para fazer da própria crise uma ocasião de discernimento e de um novo modelo econômico.
O modelo que prevaleceu nas últimas décadas apostava na busca da maximização do
lucro e do consumo, numa óptica individualista e egoísta que pretendia avaliar
as pessoas apenas pela sua capacidade de dar resposta às exigências da
competitividade. Olhando de outra perspectiva, porém, o sucesso verdadeiro e
duradouro pode ser obtido com a dádiva de si mesmo, dos seus dotes intelectuais,
da própria capacidade de iniciativa, já que o desenvolvimento econômico
suportável, isto é, autenticamente humano tem necessidade do princípio da
gratuidade como expressão de fraternidade e da lógica do dom" (Bento XVI,
Mensagem para o dia Mundial da Paz 2013, n. 5)
E aqui estão algumas propostas
"ingênuas", à disposição em
Caná e na Igreja. A receita do milagre vem da Virgem Maria. A última de suas
palavras registrada nos evangelhos parece testamento de quem ama muito seus
pósteros: "Fazei tudo o que Ele disser!" (Jo 2,5). Sua recomendação
precisa ressoar de novo em todos os recantos. Muito mais do que milagres
estrondosos, acreditamos num caminho a ser percorrido, cujo nome é
Evangelização. Acreditar na Palavra de Jesus Cristo e coloca-lá em prática transforma
as consciências, corações e obras. Quem
faz esta escolha cumpre todas as leis existentes, convive na sociedade, mas
tudo supera por implantar, onde que passe, a lei do amor a Deus e ao próximo.
Só que isso não faz barulho. É como árvore que cresce e se consolida para
produzir bons frutos.
Milagre consistente se faz com gestos
simples. Encher talhas de água, ou sair pelas ruas e tratar chagas e consolar
as pessoas, acolher o drogado que alguém considera restolho na sociedade,
buscar soluções para idosos ou abandonados, sentar-se para ouvir, corrigir com
ternura, não complicar a vida, atender com boa vontade numa repartição, coisas
de servos, dos servos de Caná revividos em nós. Vale experimentar!
A recuperação do valor do Sacramento do
Matrimônio, malgrado as estatísticas, faz parte do receituário oferecido por
Aquele que é médico do corpo e do espírito. Na educação dos filhos, incluam os
pais o valor dos mandamentos, a dignidade da família unitária e estável, fiel e
fecunda. Quem olhar ao redor, poderá encontrar bons exemplares dessa "raça
de gente", da melhor espécie de ser! O milagre pode estar ao alcance de
nossas mãos, dependo só de nosso sim".